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Herança digital - mulher segurando celular

O que é herança digital? Saiba quais são os bens digitais e as responsabilidades do sucessor

O que é herança digital

Com o avanço da tecnologia e o uso crescente das mídias sociais, essa espécie de herança tem se tornando cada vez mais comum, fazendo surgir um assunto de notável relevância no seio social e no âmbito jurídico.

Antes de entender do que se trata a chamada herança digital, precisamos definir o que é herança para o Direito.

Herança nada mais é que o conjunto de bens, direitos e obrigações que são transmitidos aos sucessores quando o seu titular vem a óbito. São exemplos de itens que compõem a herança: carros, dinheiro, maquinários, imóveis, jóias, dívidas, títulos a receber, etc.

Já do ponto de vista da herança digital, o patrimônio considerado são contas virtuais, materiais, conteúdos, acessos e visualizações de meios digitais.

Dessa forma, herança digital é nome dado pelos doutrinadores do Direito Sucessório  para o conjunto de contas virtuais, materiais, conteúdos, acessos e visualizações de meios digitais. Em outras palavras, são bens ou direitos utilizados, publicados ou guardados na nuvem, plataformas ou servidores virtuais

Tudo isso compõe a herança digital.

Essas contas e ativos digitais que compõem a herança são considerados pela doutrina como “bens incorpóreos”, ou seja, bens abstratos que não possuem existência física, concreta.

Exemplos muito comuns de patrimônio digital são: contas em redes sociais com potencial valor financeiro, criptomoedas, serviços vitalícios, vídeos, contas em mídias sociais, dentre outros itens armazenados de maneira digital e que podem ser acessados por computadores, celulares, tablets ou outros meios tecnológicos.

Com o falecimento do titular de algum desses bens digitais, emergem inúmeras dúvidas quanto ao destino das informações e do patrimônio em si, tanto por representarem um valor afetivo do ente falecido, quanto por muitas vezes expressarem um valor econômico.

A legislação brasileira sobre herança digital

De plano, é necessário registrar que ainda não existe no Brasil uma legislação que regulamente os bens digitais e a herança digital.

Com efeito, com o crescente avanço da internet e dos bens digitais, foram propostos ao longo dos anos alguns Projetos de Lei (ex: PL 4.099/2012, PL 7.742/2017 e 8.562/2017) que tiveram como objetivo inserir disposições sobre herança digital na legislação brasileira.

Porém, todos os PL´s citados anteriormente foram arquivados, permanecendo a herança digital à margem da omissão legislativa.

Por ora, enquanto essa previsão legal específica não se concretiza, a alternativa é utilizar as regras gerais sobre herança previstas no Código Civil Brasileiro, sustentando-se, ainda, nos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema.

O que são considerados bens digitais?

Bens digitais são bens incorpóreos, intangíveis, processados em dispositivos eletrônicos e que podem ser armazenados em aparelhos e na nuvem.

Os interesses digitais de uma pessoa falecida podem ter cunho patrimonial e/ou existencial.

Significa dizer que o patrimônio digital pode ser integrado por bens economicamente valoráveis ou bens que não tenham expressividade econômica, mas somente um valor simbólico ou subjetivo, sentimental.

Bens com valor econômico

Com a ascensão da internet, não raras foram as pessoas que passaram a explorar alternativas para ganhar dinheiro e visibilidade com as mídias sociais, muitas delas alcançando cifras milionárias nesse ramo.

Alguns exemplos de bens digitais dotados de valor econômico são:

  • Criptomoedas (ex: bitcoins);
  • Sites e plataformas que permitem adquirir mídias digitais como e-books, filmes e músicas através de uma conta virtual (ex: Netflix, Spotify, Amazon)
  • Domínios de internet;
  • Livros, músicas, filmes, podcasts;
  • Milhas aéreas;
  • Programas de pontos de Bancos pelo uso de cartão de crédito;
  • Cash Backs;
  • Assinaturas digitais;
  • Coleção de livros e músicas digitais adquiridos no iTunes;
  • Jogos online em que os jogadores investem dinheiro na melhoria das ferramentas e das vantagens;
  • Perfis pessoais e profissionais que por conta de seu engajamento, alcance e visibilidade atraem publicidades, oferecimento de bens e serviços, dentre outros (ex: perfil no Instagram da ex-bbb Juliete, do jogador Neymar Jr., etc.); e
  • Contas do YouTube com milhões de inscritos e visualizações (ex: canal do Youtuber infantil Luccas Neto, do comediante Whindersson Nunes, dentre outros).

Bens sem valor econômico 

Em contrapartida aos bens digitais economicamente valoráveis, existem também os bens digitais insuscetíveis de valoração econômica.

Nesse caso, são caracterizados apenas pelo seu valor afetivo, subjetivo, sentimental, sem que deles seja possível extrair algum benefício de ordem patrimonial.

Alguns exemplos de bens digitais sem valor econômico são:

  • Páginas e publicações nas redes sociais sem expressivo número de seguidores, engajamento e visualizações;
  • Contas de e-mails e senhas;
  • Escritos pessoais;
  • Interações com outras pessoas através de mensagens, áudios, etc.; e
  • Fotos, vídeos, documentos e demais bens digitais sem valor financeiro aferível.

Qual a ordem de sucessão hereditária? 

No Brasil, a lei disciplina que a sucessão hereditária de um indivíduo pode se dar de duas formas:

  • Disposição de última vontade: manifestação de vontade através de testamento; e
  • Por lei: segundo a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829, do Código Civil.

Portanto, se o indivíduo falecer sem deixar testamento, a própria legislação civil determina a ordem dos sucessores que serão beneficiados pelo patrimônio do de cujus.

A ordem de vocação hereditária nada mais é do que a sequência prevista em lei dos parentes do falecido que serão beneficiados com a herança.

De forma simplificada, a ordem é de exclusão e funciona da seguinte maneira:

  • O cônjuge do falecido concorrerá em primeiro lugar com os descendentes o recebimento dos bens deixados;
  • Na falta dos descendentes, o cônjuge do falecido concorrerá com os ascendentes;
  • O cônjuge do falecido herdará integralmente caso não existam descendentes e ascendentes; e
  • Não existindo nem cônjuge, nem ascendentes e descendentes, os parentes colaterais até 4º grau (irmãos, tios, primos, sobrinhos) serão chamados a herdar.

Observação: O cônjuge não irá concorrer à herança quando: i) o regime de bens for o da comunhão universal ou regime obrigatório da separação total de bens; e ii) o regime de bens for o da comunhão parcial e o autor da herança não tiver deixado bens particulares.

Importante destacar que os descendentes, ascendentes e cônjuges são chamados “herdeiros necessários” e não podem, em regra, ser excluídos da sucessão, cabendo-lhes a legítima, que constitui 50% do patrimônio do falecido.

A existência de testamento, portanto, não pode suprimir a reserva de 50% aos herdeiros necessários, por esta ser intocável.

Dessa forma, ao realizar o testamento, o indivíduo tem liberdade de dispor como lhe aprouver apenas quanto a outra metade dos seus bens.

Quais as responsabilidades do sucessor em plataformas públicas?

  • Respeitar as disposições feitas em vida pelo titular da conta. Por exemplo, se o indivíduo deixou disposto que após a sua morte deveria haver a exclusão da sua conta, fotos, vídeos e demais conteúdos e bens digitais disponibilizados na internet, o sucessor deverá respeitar a manifestação de vontade, retirando os dados do alcance público, mesmo se isso for contra a sua vontade. Privilegia-se o direito ao esquecimento, direito à intimidade e privacidade do falecido;
  • Zelar para que não seja utilizada de forma indevida por terceiros, com fins comerciais ou não, a imagem, voz e demais conteúdos da pessoa falecida;
  • Impedir que terceiros não autorizados e não cotitulares das contas e demais bens deixados pelo falecido continuem utilizando os perfis e recebendo frutos e vantagens desse patrimônio;
  • Dentre outras.

Como garantir a destinação correta da herança digital?

Certamente você deve ter se perguntado qual a maneira adequada de garantir a destinação correta da herança digital.

Mesmo porque, a essa altura você já deve ter percebido quão importante é pensar em formas de destinar os bens digitais na ocasião da sucessão patrimonial, sobretudo aqueles com expressivo valor econômico.

Planejar e executar da maneira correta a destinação do patrimônio digital pode prevenir muitos litígios e aborrecimentos em relação àqueles que irão receber e administrar os bens digitais deixados pelo autor da herança.

Uma maneira de garantir a destinação correta da herança digital é através do testamento.

Testamento é a forma prevista em lei para instituir as disposições de última vontade, quer de cunho patrimonial, quer de cunho não patrimonial, sendo uma das maneiras de ocorrer a sucessão hereditária, como falado anteriormente.

Testamento e disposição sobre patrimônio digital

Como foi dito em ocasião anterior, no Brasil ainda não há legislação que disponha sobre os bens digitais e a herança digital.

O que acontece, portanto, é utilizar de forma emprestada as normas do Código Civil que regulam a herança de bens comuns, para aplicar às situações em que se discute a sucessão dos bens digitais.

Uma das disposições da legislação civil quando o assunto é herança diz respeito ao testamento: Ou seja, a lei diz que toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte (art. 1.857, Código Civil).

Dessa forma, entende-se por ser possível a disposição testamentária englobando os bens digitais, já que, como visto, estes também podem compor o patrimônio do autor da herança junto aos automóveis, imóveis, jóias, numerários, dentre outros.

Com essas considerações, a forma mais segura de destinar a herança digital é o proprietário dos bens digitais direcioná-los para quem lhe interessar, além de especificar as providências que pretende que sejam tomadas após a sua morte, em relação a esse legado virtual, através da feitura de um testamento, seja público, particular ou cerrado.

Com as disposições testamentárias, o titular dos bens digitais tem a oportunidade de especificar de maneira detalhada o seu desejo em relação ao seu patrimônio digital após a sua morte, por exemplo:

  • Especificar para quem deverão ser transferidos os dados ou bens virtuais;
  • Especificar quem e como vão ser geridos os bens digitais;
  • Detalhar os acessos e senhas das plataformas digitais;
  • Manifestar seu eventual desejo de não transferir os bens digitais a ninguém;
  • Manifestar seu eventual desejo de que os bens digitais sejam excluídos, removidos, transformados em memorial, etc.

Lembre-se de que os bens digitais dos quais não é possível extrair valor econômico (bens digitais de valor sentimental, afetivo, subjetivo) também podem ser destinados por meio de testamento.

É de suma importância o auxílio de um advogado especializado em matéria sucessória na hora de elaborar um testamento. O auxílio de um profissional permite que o testamento seja minucioso sobre a destinação do patrimônio digital, sem deixar de observar os “termos de uso e privacidade” das plataformas e dos provedores, além de prezar pela preservação da privacidade e proteção dos dados de terceiros.

Além disso, deve-se observar que o testamento é um ato formal e com formalidades próprias a depender do modelo escolhido.

Sua validade depende da forma prescrita em lei, o que reforça a necessidade de um advogado especialista na hora de elaborar a cédula testamentária.

Testamento digital informal

Algumas redes sociais possuem em suas plataformas o chamado testamento digital informal, por meio do qual, o usuário pode realizar algumas disposições de última vontade a respeito do destino de suas informações digitais após a sua morte.

O Google, por exemplo, permite que o usuário escolha até 10 pessoas que receberão as informações acumuladas em vida na plataforma.

O Twitter, por sua vez, autoriza que os familiares do usuário da conta baixem os tweets públicos e posteriormente solicitem a exclusão do perfil na rede social.

Já o Facebook permite que seja nomeado um “contato herdeiro” para cuidar da conta da pessoa falecida, possibilitando, além de outras medidas como a exclusão, que se solicite a transformação do perfil em um memorial. Dessa forma, os posts anteriores continuam acessíveis para visualização e é possível prestar homenagens na linha do tempo do falecido.

O Instagram permite que contas de pessoas falecidas sejam removidas da plataforma através de solicitação feita por um familiar direto.

Para além disso, existem também os “cofres virtuais” nos quais o usuário das redes sociais pode armazenar logins e senhas e fazer uma espécie de testamento, indicando amigos e familiares que ficarão incumbidos de administrar ou excluir o legado virtual após o seu falecimento.

Dessa forma, além do testamento na modalidade comum, outra alternativa para garantir, em vida, a situação dos perfis deixados (ex: transformação do perfil em memorial, exclusão) ou até mesmo a destinação dos bens digitais para quem interessa, é através do testamento digital informal nas próprias plataformas e cofres virtuais disponíveis.

Ausência de testamento

Na ausência de um testamento convencional ou digital informal dispondo sobre o destino dos bens digitais, a alternativa é que os sucessores interessados recorram ao Judiciário para requerer o direito ao patrimônio digital do falecido.

Com o avanço da era digital, a tendência é que cada vez mais demandas desse estilo cheguem às mãos dos Juízes para que se decida qual será o destino do legado digital deixado por alguém.

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